sexta-feira, 5 de julho de 2013

Mulato Branco

Eu fui criada para ser o que aqui se chama mulato branco. Achei, em minha zona de conforto, que nunca me depararia com aspectos de preconceito, apenas veria a discriminação de “raça” como situação em que não seria sujeito envolvido, apenas espectador.
Estudei sempre em escolas particulares, coisa para brancos e mulatos brancos. Adentrei no curso de Direito de uma universidade pública do país, coisa de brancos e mulatos brancos. Ouço musicas de brancos ou mulatos brancos, e até mesmo os livros que leio são livros de brancos e mulatos brancos. Decidiram que cultura, como se enxerga nas academias, é coisa de branco, e daqueles que delimitamos como mulatos brancos, então eu achava que era coisa para mim.
Não estou dizendo que os mulatos brancos não se vejam e acreditem negros, não é neste aspecto que me limito. O que quero dizer é que foi decidido o que seria de brancos e o que seria de negros, e aqueles negros que fazem coisas de brancos são mulatos brancos, já os brancos que fazem coisas de negros são tidos como pessoas não preconceituosas, quando estas coisas não são moralmente vistas como erradas, ou seja, são apenas aspectos culturais (cultura no sentido aqui utilizado, mais ligado a conhecimento e expressões artísticas, “sem muito lato senso”).
Mas ser branco ou negro é mais fácil do que ser mulato branco. Ser mulato branco requer uma completude que nem sempre se tem. Ser mulato branco faz com que o sujeito deva chegar o mais perto de sua plenitude, senão será apenas negro. A sociedade assim delimitou, e em cada esfera de conquista o mulato branco tem que superar expectativas senão deixará de ser mulato branco para ser negro. As pessoas decidiram que o negro não é tão bom e limpo assim. As pessoas concordaram que o branco é bom e sinônimo de limpeza.
Sendo mulato branco eu me relaciono com brancos e outros mulatos brancos. Não vou dizer que se aprenda a segregar também, não, não sou extremista a ponto de dizer que brancos sempre segreguem. O que quero dizer é que um mulato branco não tem tempo para se relacionar fora da sua esfera de atuação, ele tem que superar expectativas, então tem que se esforçar, batalhar. Afinal, se conseguir, seu premio é continuar sendo mulato branco, não há mais progresso que isso. Mas se fracassar, voltará a ser “apenas” negro.
São conceitos duros, é uma análise cruel a que estou fazendo, mas é verdade. Há sempre o espanto de se ver um negro, melhor dizer mulato branco!, em uma esfera de poder, em um ponto de destaque. É uma surpresa porque estes são os lugares dos brancos. Ninguém se iluda achando que no Brasil não há preconceito e que não há tais delimitações, pois há.
E eu acreditava que seguiria sendo mulato branco sem grandes problemas. Seguiria sendo metade eu, metade o que a sociedade delimitou que era bom. Que assim não haveria preconceito externalizado, mas não é o que acontece. Pensar, eu sempre soube que as pessoas pensavam seus preconceitos, não sou tola. Mas não acreditei que fossem capazes de trazer a tona essa carga de discriminação nelas incutida. Eu acreditava que seguiria sem sentir “na pele” essas coisas.
Vários eventos isolados têm me mostrado que os mulatos brancos não são tão bem aceitos assim, são apenas suportados. Mas como poderia se gostar daqueles que se impõem à ordem pré-fixada? Como poderia se gostar daqueles que se põem em cima do muro e não assumem lugar algum na “luta”?
Há mulatos brancos que nem sequer aceitam-se. Muda-se o cabelo, a roupa, olhos, aparência com maquiagem: há até maquiagem para afinar o nariz! Ah! Mas agora temos a negritude em alta, alguns assumindo cabelos cacheados e modelos negras saindo do país e indo “para o mundo”. Política econômica, market! Mercado para negro é grande, gera lucro alto, vale apena investir nele. Olhando-se friamente percebe-se que não há tanta aceitação assim como se propaga por ai.
Não estou criticando mulatos brancos, brancos e negros. Estou apenas expondo um pouco da realidade com a qual me deparo todos os dias, a realidade que faz parte do país. Uma realidade de brancos, negros e mulatos brancos. Uma realidade minha, que neste momento me identifico como mulato branco pelos caminhos que traço, e que me vejo negra em cor de pele, mas deixo essas classificações apenas para isso, porque em plenitude, em plenitude eu não tenho, ou pouco me importa a cor!

 Paula Carine