Eu
fui criada para ser o que aqui se chama mulato branco. Achei, em minha zona de
conforto, que nunca me depararia com aspectos de preconceito, apenas veria a
discriminação de “raça” como situação em que não seria sujeito envolvido,
apenas espectador.
Estudei
sempre em escolas particulares, coisa para brancos e mulatos brancos. Adentrei
no curso de Direito de uma universidade pública do país, coisa de brancos e
mulatos brancos. Ouço musicas de brancos ou mulatos brancos, e até mesmo os
livros que leio são livros de brancos e mulatos brancos. Decidiram que cultura,
como se enxerga nas academias, é coisa de branco, e daqueles que delimitamos
como mulatos brancos, então eu achava que era coisa para mim.
Não
estou dizendo que os mulatos brancos não se vejam e acreditem negros, não é
neste aspecto que me limito. O que quero dizer é que foi decidido o que seria
de brancos e o que seria de negros, e aqueles negros que fazem coisas de
brancos são mulatos brancos, já os brancos que fazem coisas de negros são tidos
como pessoas não preconceituosas, quando estas coisas não são moralmente vistas
como erradas, ou seja, são apenas aspectos culturais (cultura no sentido aqui
utilizado, mais ligado a conhecimento e expressões artísticas, “sem muito lato
senso”).
Mas
ser branco ou negro é mais fácil do que ser mulato branco. Ser mulato branco
requer uma completude que nem sempre se tem. Ser mulato branco faz com que o
sujeito deva chegar o mais perto de sua plenitude, senão será apenas negro. A
sociedade assim delimitou, e em cada esfera de conquista o mulato branco tem
que superar expectativas senão deixará de ser mulato branco para ser negro. As
pessoas decidiram que o negro não é tão bom e limpo assim. As pessoas
concordaram que o branco é bom e sinônimo de limpeza.
Sendo
mulato branco eu me relaciono com brancos e outros mulatos brancos. Não vou
dizer que se aprenda a segregar também, não, não sou extremista a ponto de
dizer que brancos sempre segreguem. O que quero dizer é que um mulato branco
não tem tempo para se relacionar fora da sua esfera de atuação, ele tem que
superar expectativas, então tem que se esforçar, batalhar. Afinal, se
conseguir, seu premio é continuar sendo mulato branco, não há mais progresso
que isso. Mas se fracassar, voltará a ser “apenas” negro.
São
conceitos duros, é uma análise cruel a que estou fazendo, mas é verdade. Há
sempre o espanto de se ver um negro, melhor dizer mulato branco!, em uma esfera
de poder, em um ponto de destaque. É uma surpresa porque estes são os lugares
dos brancos. Ninguém se iluda achando que no Brasil não há preconceito e que
não há tais delimitações, pois há.
E
eu acreditava que seguiria sendo mulato branco sem grandes problemas. Seguiria
sendo metade eu, metade o que a sociedade delimitou que era bom. Que assim não
haveria preconceito externalizado, mas não é o que acontece. Pensar, eu sempre
soube que as pessoas pensavam seus preconceitos, não sou tola. Mas não
acreditei que fossem capazes de trazer a tona essa carga de discriminação nelas
incutida. Eu acreditava que seguiria sem sentir “na pele” essas coisas.
Vários
eventos isolados têm me mostrado que os mulatos brancos não são tão bem aceitos
assim, são apenas suportados. Mas como poderia se gostar daqueles que se impõem
à ordem pré-fixada? Como poderia se gostar daqueles que se põem em cima do muro
e não assumem lugar algum na “luta”?
Há
mulatos brancos que nem sequer aceitam-se. Muda-se o cabelo, a roupa, olhos,
aparência com maquiagem: há até maquiagem para afinar o nariz! Ah! Mas agora
temos a negritude em alta, alguns assumindo cabelos cacheados e modelos negras
saindo do país e indo “para o mundo”. Política econômica, market! Mercado para negro
é grande, gera lucro alto, vale apena investir nele. Olhando-se friamente
percebe-se que não há tanta aceitação assim como se propaga por ai.
Não
estou criticando mulatos brancos, brancos e negros. Estou apenas expondo um
pouco da realidade com a qual me deparo todos os dias, a realidade que faz
parte do país. Uma realidade de brancos, negros e mulatos brancos. Uma
realidade minha, que neste momento me identifico como mulato branco pelos
caminhos que traço, e que me vejo negra em cor de pele, mas deixo essas
classificações apenas para isso, porque em plenitude, em plenitude eu não tenho,
ou pouco me importa a cor!
Paula Carine