sábado, 9 de março de 2019

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Era cedo ainda, mas já era tarde. Podia até dizer que ainda havia amor, mas era uma linha tão tênue ligando dois corações, era tão pouco que não valia mais o esforço. Foram tantas tentativas. Sabia que tinha que dizer adeus. Disse e se foi com um coração carregando na altura do peito o peso de um adeus.
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                O café estava frio de tanta espera. Ele sempre atrasava. Não era falta de relógio, não era falta de aviso, era apenas uma mania irritante de atrasar-se para pequenas coisas.
                Pensando bem, não devia ter esperado tanto para tomar o café. Quem gosta de café frio? Arriscava-se a dizer que quase ninguém. Isto porque no fundo, mas bem lá no fundo não importa tanto se quente ou frio, o que importa tão somente é a forma. Isso, apenas a forma importa. A mente condiciona-se a aceitar as coisas de um jeito, e tudo que não se enquadre neste formato estará errado, condenado a ser indigesto, ruim, intragável. Assim era com o café.
                Acenou para que a garçonete se aproximasse e perguntou se poderia requentar o café, amorná-lo talvez. Mas ora, café requentado não seria pior que café gelado? A moça com um riso em canto de boca saiu levando o café e dando de ombros para a loucura da cliente.
                Foi então que ele chegou, pedindo desculpas pela demora. Justificando que seu chefe pedira que fosse fazer um depósito justo quando estava saindo. Mas ela já não queria ouvir. Ela só queria dizer o que ensaiara a tarde inteira. Diria na lata, sem rodeios, seria melhor. Abriu a boca, mas o som não saiu.
                O café retornou quente, mas ainda assim não tinha vontade de bebê-lo. Ele fitava-a nos olhos, esperando que ao menos um gesto explicasse o motivo daquele encontro. Podia perceber que ela estava aflita, desconfortável. Mas ele também estava.
- Vê esse café? Eu o pedi há meia hora, mas esfriou. Eu... eu não conseguiria tomar um café frio. Cafés são quentes, ora. Pedi àquela moça que o requentasse, e ele está aqui novamente, quente, mas eu, eu não o quero mais.  – silenciou-se enquanto baixava o rosto como se de repente não pudesse mais encará-lo.
- O que queria me dizer?- perguntou ele por fim.
-Queria dizer isso. Queria dizer que não gosto de cafés frios, mas também não gosto de cafés requentados.  – ela disse ainda sem olhá-lo nos olhos.
                Enquanto isso ele tentava entender como um café poderia ter alguma relação com a mensagem que ela mandara há três horas atrás: “Preciso te dizer algo importante. Por favor, as cinco em ponto na Cafeteria da esquina Jorney”.
- Certo, mas você me chamou aqui apenas para dizer-me que gosta de café quente?
- Não exatamente. Queria dizer que você sempre se atrasa. Hoje o café esfriou. Mas seus pequenos atrasos têm esfriado muitas outras coisas. Quando você perde o trem, pode pegar o próximo e vai chegar ao mesmo destino. Mas o meu café, o meu café após ser requentado não terá o mesmo gosto. Você se atrasou para me chamar para sair, e mesmo assim saímos. Você se atrasou para me pedir em namoro, e mesmo assim namoramos. Só que você atrasou quatro anos para me pedir em casamento, e eu não posso me casar com você. No meio do caminho esfriou, esfriou e não quero requentar. – seu coração agora parecia pesar muito mais ao levantar a cabeça e perceber no rosto dele uma névoa de tristeza, mas não podia voltar atrás em suas palavras, era um adeus.
                Não, não podia tomar aquele café requentado. Deu-lhe um beijo no rosto e saiu carregando consigo um coração pesado. Era o peso do adeus.



Paula Carine